terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Sangue de bairro

Na manhã de terça-feira, 19 de janeiro, peguei o ônibus no ponto em frente à UFMA rumo ao parque anhanguera, trabalho da faculdade. Não estava cheio ainda, não até chegar ao terminal de integração. Chegando lá, embarcaram cerca de 13 pessoas entre crianças, idosos, mulheres, trabalhadores, operários, a hemoglobina da monarca que é a cidade. O veículo rangia, balançava, parecia vivo por dentro e por fora, pulsando, sangrando diesel e respirando fumaça. Aos poucos, foi se enchendo de mais e mais gente . Gente grande, gente pouco pequena, gente enorme, gente humilde, gente suor, gente atrasada, gente trabalho. O motorista, que não transparecia qualquer simpatia, talvez já se encontrara endurecido de tanto rodar pela cidade, nada falou quando uma senhora entrou reclamando que ele não parou o ônibus quando ela acenou com o braço cansado. Fui seguindo, sentado em meu lugar conquistado cedo com a face colada à janela, tão perto que minha respiração embaçava o vidro. Fui olhando, observando a cidade orgânica e viva, fluindo pela aorta chamada Dorgival Pinheiro de Souza, entrecortando as ruas ainda pavimentadas do centro até a via Dom Pedro I onde ao longo desta vi mais da minha gente. Crianças vivendo sua inocência de rua e poucas roupas, com rostos sujos e felizes de bola, pipa e peteca. Vi os que viram. Os que construíram a saga da cidade e hoje, sentados em frente de casa, tricotam a vida de outros, pois as suas parecem não ter mais nada pra acrescentar, a não ser o fim irremediável. Vi os que têm a responsabilidade de sustentar a família e manter a cidade inconsciente deste segundo fato. O ônibus seguia indo ao longo da rua e, fora dele, o mundo parece andar mais rápido. Bares e tavernas, gente entrando e saindo, o velho empurrando o carrinho de verdura, com panturrilhas grossas de andada que destoavam do seu corpo mirrado. Adiante vi uma ponte de concreto sobre um riacho sujo e quase inexistente, com palafitas de anos junto ao mato que resiste. Jovens com uniformes verdes e livros em braços indo para a escola, caçambas carregadas de barro e tijolos saindo da cerâmica cujas chaminés soltam a fumaça negra que pinta o rosto dos oleiros em cima do carro. Mais a frente, o progresso que transforma um terreno alagado, onde me fui ainda menino apanhar azeitona preta, em alicerces de prédios residenciais. No caminho ainda, uma faculdade particular, uma creche lotada, uma penitenciária mais lotada que a creche, lotada com mulheres, filhos e pais de detentos à porta para estrangular sua saudade em tempo cronometrado. A estação de água, o esqueleto de uma igreja, casas simples como seus moradores, ruas vermelhas de poeira e lama . Pedreiros, vendedores, jovens capinando o dinheiro pouco .
Desci do ônibus, senti o sol queimar minha testa . Andei uns metros e cheguei em casa. Mas nunca tinha escrito tanto sobre um lugar que conheço tão bem . E não sabia que conhecia tanto meu lugar, minhas pessoas, minhas poças d’água, meus terrenos baldios,meu pés de Jorge Tadeu e mangueiras cujos cimos me viram comer as mangas verdes com sal, meus prédios e casas. E não sabia que escreveria sobre eles aqui.Nem sabia que escreveria sobre eles/isto/eus.

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